A vida passa a correr enquanto, ocupada, desço a calçada.
Esquivo-me dos sorrisos vagos e das lágrimas secas nas faces de quem se esconde
nas sombras do caminho. Escondo-me de todos esses gestos perdidos, sugados por
memórias erradas e gastas...
Fujo a tremer da verdade que há tanto preciso de saber - mas
temo.
Fujo entre as gotas vagas da chuva, embalada pela força do vento
que me segura no meu trilho. Fujo mas nem sequer quero fugir. Há um pedaço de
ti que habita o meu ser sem eu deixar e o teu olhar gela o meu caminho. Gela e
deixa-me perto da loucura.
Sei que de alguma forma proteges o que resta desta mente vil, o
que em tempos foi reflexo de meu corpo são. Mas não te conheço. Não te sei, não
te vejo, não te sinto! Pára de me tocar com a tua sombra fria e morta de vida
alheia, pára de me mirar por cima do ombro como cotovia louca, pára de ser a
tua farsa inanimada e cerra todos os livros inacabados. Pára! Deixa-me
ser, deixam-me ver, deixa-me sentir, deixa-me perceber, deixa-me! Deixa de enlaçar
o meu ser com a invisibilidade de memórias que não nos pertencem, deixa-me voar
e ser feliz na minha vazia ignorância! Larga-me desse abraço frio e deixa-me
ser feliz! Pára, não me mires com esses malditos olhos docemente demoníacos,
arranca de mim esse azul, que tu a mim não me és nada! Pára de me invadir com
esse sorriso que me protege!
Ou então diz-me! Diz-me porque me proteges, que laços inócuos nos
unem, que forças te empurram para mim, como se fôssemos sangue do mesmo sangue,
carne da mesma carne. Agarra-me e diz-me a verdade, se é que há uma verdade!
Explica-te, mostra-te por quem és, ó desconhecido de terras estranhas
desbravadas. Mostra-me que a minha loucura é a História que escrevemos juntos
quando sabíamos viver, quando aprendíamos a ser! Liberta-me dos meus medos,
diz-me porque estás, porque és, porque serás! Diz-me, que desespero na dor de
uma outrora doce ignorância. Puxa a minha alma do corpo e leva-me para onde
seja verdade. Voa comigo e vamos ser do mesmo sangue, se assim o queres. Fala
comigo, diz-me. Diz-me! ...
Mas eu peço e tu não dizes. Continuamos a cruzar olhares e o
vazio da tua alma continua a inundar o azul gélido dos teus olhos. Sei que
talvez não te conheça, mas vejo quem és, o que és. Sangue de sangue alheio,
medos e tormentos de um caminho que cruzou o meu mas não me diz respeito.
Horrores gravados no mais profundo vazio do teu ser.
Não me conheces. Não faz mal. Também não te conheço.
Mas vejo a aura negra que envolve o ar em teu redor. O meu corpo
vacila à presença desses teus olhos, com medo do que já viram. Qual força,
monstro ou mentira te invadiu o ser de escuridão. Vejo-te, mas não sei o que
viste que te deixou despedaçado, preso a esse sorriso vago, máscara do teu lado
obscuro. Num crepitante momento de fraqueza, imagino-me a correr para os teus
braços e a cerrar todos os teus medos num abraço. Queria ajudar...
Mas não te conheço. Não faz mal. Também não me conheces.
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